UM KANT CONTRÁRIO AOS DIREITOS HUMANOS?
PERSPECTIVAS CRÍTICAS DO REPUBLICANISMO KANTIANO
Palavras-chave:
REPUBLICANISMO, DIREITO E MORAL, DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOSResumo
O trabalho parte dos elementos do pensamento político-jurídico de Kant que expressam a sua declarada concepção republicana de Estado para, assim, construir possíveis objeções de Kant aos direitos humanos (termo inexistente em sua obra, em que pese seja ele frequentemente considerado um dos pais intelectuais da noção moderna de dignidade humana). O republicanismo kantiano é caracterizado por, ao menos, três elementos fundamentais: I) a separação entre direito e moral (presente em diversos textos kantianos, mas propriamente explicitada pela divisão em Doutrina do Direito e Doutrina da Virtude da obra Metafísica dos Costumes (1797)); II) a dependência do direito privado (extraído analiticamente da ideia de liberdade inata e de autonomia da vontade) em relação ao direito público (expressão da ideia de uma vontade unificada omnilateral a priori), sendo este último o único capaz de tornar peremptório o que é meramente provisório nas instituições de direito privado, dotando-as de coercibilidade e criticidade (aspecto delineado pela doutrina dos juízos jurídicos sintéticos a priori em Kant); III) a vedação do direito de resistência como característica essencialmente institucional do direito público kantiano, cuja consequência fundamental é a destituição de quaisquer direitos inatos individuais em prol do governo das leis (res publica) enquanto expressão da vontade unificada omnilateral a priori. Esse sistema político-jurídico republicano realiza plenamente os pressupostos racionais da juridicidade e deve ser erigido como um ideal regulador implementado não radicalmente, mas gradualmente, e, sobretudo, continuamente aproximando a respublica phaenomenon da respublica noumenon. De maneira colateral, colaboram para uma confrontação entre o pensamento kantiano e a noção geral de direitos humanos, as críticas elaboradas por Kant à doutrina do trabalho de John Locke (abrindo espaço, aliás, para uma redistribuição e até mesmo a abolição da propriedade quando da formação do contrato originário que institui o direito público) e à doutrina do direito penal de Cesare Beccaria (ocasião na qual Kant, em franca oposição àqueles, como Norberto Bobbio e Ottfried Höffe, que o consideram um pensador liberal, defende um direito penal do talião como a única forma de respeitar o imperativo categórico). O trabalho termina, por fim, mostrando a razão pela qual, em termos kantianos, o direito internacional dos direitos humanos mostra um déficit de eficácia na medida em que, ausentes os pressupostos políticos republicanos internos aos países, tornam-se infrutíferas as tentativas de estabelecer uma juridicidade internacional efetiva – baseando-se, este último diagnóstico, na analogia que Kant estabelece entre o estado de natureza dos indivíduos e o estado de natureza dos Estados (ideia expressa tanto na obra À Paz Perpétua (1795) quanto na Metafísica dos Costumes).