CONSTITUIÇÃO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E FEMINISMO NO CONTEXTO DA MATERNIDADE

A EXISTÊNCIA DE UM PARÂMETRO DE “BOA MÃE” – NOCIVIDADE DESSE CONCEITO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA ALÉM DO ÂMBITO PARENTAL

Autores

  • Branca Scapin Fundação Getúlio Vargas

Palavras-chave:

IGUALDADE DE GÊNERO, MATERNIDADE NO MEIO CORPORATIVO, PSICANÁLISE E DIREITO

Resumo

Partindo da premissa de que os Estados integrantes de Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos possuem a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, ao longo dos anos foram elaborados regramentos para tentar consagrar o princípio da não-discriminação. Nesse contexto, podemos citar a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); a igualdade consagrada pela Constituição de 1988 e, mais recentemente, a aprovação da Lei nº 14.457/22, que institui o Programa “Emprega + Mulheres” e o PL 3717, que visa instituir direitos da mãe solo. Se avaliarmos a contemporaneidade dessas conquistas, o deleite pela vitória fica ofuscado pela afronta do quão recentes elas são, uma vez que o discurso em torno do papel da mulher ainda é extremamente machista e, sob a ótica do exercício da parentalidade, é ínfimo. Claramente não há aplicabilidade tátil do princípio da isonomia. A concepção do que seria hoje a “boa mãe”, talvez deturpada da “mãe suficientemente boa” de Winnicott, faz com que as mulheres se estrangulem, na tentativa frustrada – e desnecessária – de desempenhar inúmeros papéis com excelência: o maternar, o gerir o lar, o trabalhar fora. No contexto social atual, resta clarividente que o fato de mulheres-mães sofrerem diferenciação de tratamento na responsabilidade parental, reverbera negativamente no psique e na construção do “eu” e na esfera corporativa. A desigualdade fisiológica, com a consequente desigualdade de divisão dos trabalhos parentais repercute na consagração dessa relação de domínio/sujeição entre homens e mulheres, que reverbera em todas as demais esferas em que estão inseridas essas mulheres. A forma como o patriarcado imiscuiu-se na conceituação da “boa mãe” mitiga a liberdade dessas mulheres no mercado de trabalho, seja pela culpa inconsciente, seja pela indisponibilidade de tempo, uma vez que são sobrecarregadas com a totalidade – ou, no mínimo, a maior parte – das obrigações com os filhos, seja pela ausência de outro cuidador que exerça a função parental. A sobrecarga é perceptível pela quantidade de ações de alimentos propostas em nome de mulheres-mães (buscando o direito de filhos menores) que, a despeito de terem estes filhos abarcados pelo poder familiar de um outro, estão sozinhas com os encargos da criação e sustento da prole. Imprescindível o enfrentamento das questões envolvendo essa minoria chamada “mães” - solo ou não - e a discrepância existente entre a trajetória que elas percorrem e a trajetória percorrida pelos homens para exercerem o mesmo cargo ou função. Há urgência em pararmos de romantizar a sobrecarga materna. Para garantir a isonomia, imprescindível que haja regramentos específicos e eficazes para equalizar a situação e equipará-las a outras mulheres não-mães (que também já sofrem preconceito e discriminação) e aos homens.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On66 - DIREITOS HUMANOS, MINORIAS E SISTEMA DE JUSTIÇA