VIOLÊNCIA ESTATAL E DEMOCRACIA BLINDADA NO BRASIL RECENTE
Palavras-chave:
Neoliberalismo; Democracia Blindada; Classes Perigosas; CriminalizaçãoResumo
O ensaio reflete sobre o recrudescimento da violência contra insurgentes e suas formas de organização socio-política no Brasil, como parte da pesquisa de doutorado em andamento no PPGSS/UERJ. Desde as denominadas “jornadas de junho”, de 2013 as restrições às liberdades democráticas e o uso da coerção, contra frações da classe trabalhadora e membros de grupos políticos específicos, passaram a escalar vertiginosamente e ser predominantes na administração das desigualdades e das resistências que a elas são organizadas. O alcance de outro patamar qualitativo violento contra os socialmente descartáveis pelo capital e a criminalização dos movimentos populares é uma das faces da hipertrofia dos aparatos coercitivos do Estado, que implementa uma agenda de ajustes econômico-políticos e circunscreve os limites da democracia no capitalismo. Trata-se de uma das consequências políticas da crise estrutural do capital, aberta na década de 1970 e que teve no neoliberalismo uma resposta do capital. Na particularidade brasileira, a materialização desse modelo hegemônico de “restauração do capital” se processaria apenas a partir dos anos 1990, adquirindo um caráter radicalmente contrarreformista e violento na história recente. Mediado pelos traços e tensões da formação econômico-social, nesse novo momento do neoliberalismo brasileiro e de onda conservadora, especialmente após o golpe de 2016, o Estado aprimora e aprofunda a seletividade do aparelho repressivo, gerando um profundo mal-estar em um regime político já limitado, periférico, dependente e autocrático. A instrumentalização do Estado como aparato jurídico-político para garantir as regras do mercado e as salvaguardas individuais do sujeito proprietário, sem qualquer compensação pública e social, amplia as possibilidades de controle formal e informal. Isso resulta no aprofundamento da desigualdade, reforçando os antagonismos e aumentando o dissenso social. Os movimentos populares que se contrapõem a implementação da agenda contrarreformista encontram na hipertrofia dos aparatos coercitivos do Estado a sua contraposição. Essa hipertrofia se manifesta por meio da sofisticação do aparato repressivo e é operacionalizada através de políticas públicas de assistencialização, contenção e repressão, bem como pela omissão diante de práticas violentas de agentes paraestatais. Nessa programática antidemocrática e violenta, as clivagens econômicas, de gênero e de raça, estruturas de dominação que organizam a sociedade, são transmutadas em um conflito a ser gestado. Além disso, ocorre a retração da já frágil rede de segurança social e o controle penal se expande para as esferas da vida das “classes perigosas”.