DE NOVO E SEMPRE PUNIR OS POBRES

ELEMENTOS DA APROPRIAÇÃO DE UMA CAUSA JUSTA PELO NEOLIBERALISMO

Autores

  • Plínio Gentil PUC-SP
  • Dhyane Cristina Oro UNIARA

Palavras-chave:

Punitivismo, neoliberalismo, identitarismo, classes subalternizadas

Resumo

Como nunca, as penas para condenados por crimes sexuais – especialmente o estupro e o estupro de vulnerável – estão sendo fixadas em níveis excepcionalmente altos, superando consideravelmente as penas dos mais graves delitos contra a vida, como homicídios qualificados. Ao contrário do que pode parecer, não se trata de enfim se haver alcançado um patamar adequado de punição para infrações tão repulsivas e se estar enfrentando eficazmente esse tipo de abusos. Trata-se de algo diferente disso, embora as altas penalidades impostas aos condenados pareçam dar ideia de que finalmente se faz justiça. De um lado, não há sinais de que a severidade da punição esteja contribuindo para diminuir a incidência dessas infrações: o número médio de processos instaurados para apuração de estupros, quando não aumenta, na melhor das hipóteses estaciona. De outro, essa mão pesada do estado-juiz, na verdade – e às vezes inconscientemente-, não permite ver algumas coisas importantes: 1) que uma onda punitivista, englobando o rigor na dosimetria das penas do estupro, iniciou seu ciclo há perto de uma década, coincidindo com o auge de sucesso midiático da chamada Operação Lavajato; 2) que impera, entre os atores do sistema de justiça, uma crença na eficiência do castigo imposto pelo estado e seu direito, vistos como agentes de equilíbrio social, como propugna o pensamento liberal clássico, retransmitido à doutrina neoliberal; 3) que as alterações legislativas que impuseram elevação das penas nesses crimes são tributárias de um movimento de defesa das mulheres de caráter meramente identitário, que se aparta de qualquer questionamento de elementos objetivos, especialmente do modelo produtivo, situando a violência contra a mulher num plano essencialmente cultural - e, portanto, superestrutural; 4) que essa ótica, pela qual as bases objetivas do modo de produção capitalista não são postas em xeque, mostra-se notadamente agradável ao neoliberalismo, demais disso porque seu eixo filosófico nutre-se da proeminência de categorias ideais, às vezes metafísicas, nas quais é possível inserir a figura de uma mulher abstrata, diversa daquela situada num tempo, num lugar e em relações de produção concretos; 5) e que os réus processados e afinal condenados, assim como suas vítimas, encontram-se, na quase totalidade, nos estratos subalternos da hierarquia social. Consideradas essas observações, suspeita-se que, mais uma vez –e agora legitimado pela justa aversão a um tipo específico de violência, vocalizado por movimentos nem sempre suficientemente críticos-, o poder dominante de uma sociedade brutalmente desigual posiciona-se para, antes que tudo, punir pobres, de novo os descartando, sem questionar as estruturas objetivas da pobreza. Atua-se por intermédio de um mecanismo que possibilita penas perpétuas, sem interesse por ressocialização e caracterizador de uma gestão neoliberal da justiça. Este é o principal objeto da investigação, cuja hipótese é a de que o neoliberalismo encontra uma outra forma criativa de ditar a pauta institucional. A pesquisa é bibliográfica e se justifica diante do acirramento do sempre seletivo punitivismo. Seu objetivo é jogar luz sobre um tema opaco, que parece portador do código genético da secular estrutura opressiva que se abate sobre as camadas subalternizadas.

Publicado

09.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On63 - VIOLÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS