REESCREVENDO A HISTÓRIA

A QUEBRA DO SILÊNCIO DAS MULHERES COMO ATO DE RESISTÊNCIA NA JUSHISTORIOGRAFIA

Autores

  • Camila Franco Henriques Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Palavras-chave:

silêncio, mulheres, história do direito, história das mulheres, jushistoriografia

Resumo

Quando se trata de mulheres na história, o silêncio lhe é inerente. Silêncios sobre suas vivências, seus problemas, suas existências. O silêncio sobre as mulheres e tudo que lhes era afeto se desenvolve como um mecanismo de controle praticado pelos agentes de poder, fosse ele social, político, religioso ou científico. Ao se debruçar sobre mulheres na história, Beauvoir pontua que a história das mulheres foi feita por homens, bem como La Barre, na virada do século XVII para o século XVIII, já apontava que a história contada das mulheres devia ser olhada criteriosamente, afinal, os homens que as escreviam eram simultaneamente juiz e parte. A realidade sobre quem escreve a história começa a mudar nas décadas de 1960 e 1970, com a influência de fatores científicos, como as correntes estruturalista e marxista; fatores sociológicos, como a feminização das universidades; e fatores políticos, como o fim das guerras mundiais, o (re)surgimento de movimentos feministas e luta por direitos sexuais e reprodutivos. Nasce, nesse contexto, o campo da história das mulheres, que teve terreno fecundo a partir deste momento de virada epistemológica. Como bem elucida Michelle Perrot, “É o olhar que faz a História”. Diante disso, o problema que ora se coloca é: em que medida a quebra do silêncio pelas mulheres afeta a compreensão da história do direito? É necessário, assim, identificar a intensidade da relação entre a inserção de mulheres na produção da ciência jurídica, criação do campo da história das mulheres e a compreensão contemporânea da jushistoriografia. A pesquisa é qualitativa, sendo desenvolvida a partir do método hipotético-dedutivo, procedimento histórico e técnica de pesquisa bibliográfica. A hipótese inicialmente trabalhada foi a de que a inserção das mulheres nos espaços públicos, visto como quebra do seu silêncio, desencadeia diretamente o interesse por uma série de novas temáticas, havendo uma afluência entre as curiosidades acadêmicas e as paixões pessoais. Consequentemente, há a criação de novos campos de saber, como a história das mulheres e seus direitos. Este movimento de produção científica, a partir de novos sujeitos e novos objetos de pesquisa gera a criação de novas ferramentas epistemológicas, como a interseccionalidade. Dos resultados encontrados, confirmou-se a hipótese, contudo, na realidade da jushistoriografia ainda são escassas as pesquisas que têm a mulher como objeto de pesquisa, e, menos ainda, partindo de uma perspectiva interseccional. Muito disso é explicado pelos silêncios antes mencionados, pois as mulheres só passavam a ter registro em arquivos públicos quando, pela sua indisciplina, perturbavam a ordem o suficiente, ou quando denunciavam violências sofridas, o que não era comum. Assim, mesmo que a quebra do silêncio pelas mulheres, por meio de sua inserção na produção das ciências jurídicas e histórico-jurídicas, tenha potencial para afetar a compreensão da história do direito por meio das novas lentes trazidas e ferramenta desenvolvidas, ainda há uma lacuna grande na produção acadêmica jushistoriográfica sobre mulheres, seja pela tradição do ensino jurídico, seja pela escassez dos materiais de pesquisa histórico-jurídica.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On83 - MULHERES: RESISTÊNCIAS, LUTAS E MEMÓRIAS