AUTOIDENTIFICAÇÃO E DIREITO AO TERRITÓRIO DE POVOS TRADICIONAIS NO BRASIL

UM OLHAR DECOLONIAL SOBRE O DIREITO EM ANÁLISE INTERSECCIONAL

Autores

  • Ana Carolina Pontes-Saraiva Universidade Federal do Agreste de Pernambuco

Palavras-chave:

AUTOIDENTIFICAÇÃO, DIREITO DECOLONIAL, POVOS TRADICIONAIS, INTERSECCIONALIDADE, CORPO-TERRITÓRIO

Resumo

A visão colonial do Direito obstaculiza o direito constitucional à terra de povos tradicionais no Brasil. Esta pesquisa apresenta hipóteses sobre como a contribuição do Direito, em olhar interseccional e decolonial, pode oferecer melhor perspectiva. Além da revisão de literatura, realizou estudo de caso sobre o Decreto 4.887/2003, no qual a autoidentificação está diretamente ligada ao tema do território, com as especificidades do aquilombamento brasileiro e sua discussão em ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Estabelecer uma relação de pertencimento da e pela terra a partir da concepção colonizadora beneficia determinado perfil social, conjuntura evidenciada por pensadores e pensadoras em épocas diversas: Fanon, Mbembe, Mombaça, Angela Davis, Patricia Hill Collins, Patricia Williams – refletindo a condição de “outsider thinker” nas Ciências Jurídicas – e Kimberlé Crenshaw, fundadora do Centro de Interseccionalidade e Estudos de Política da Columbia Law School. Muitas outras somaram ao pensamento no Brasil, como Lélia Gonzales, Sueli Carneiro, Grada Kilomba, Nilma Gomes, Thula Pires, Ellen Santos. A revisão de literatura e o estabelecimento de marcos busca também contribuições latino-amefricanas, em correntes que buscam priorizar a relação entre capitalismo e colonialidade, na ruptura com o eurocentrismo, como também fazem Mignolo, Lugones e Maldonado-Torres. Contribuições fundamentais para o tema foram invisibilizadas por motivos de gênero e raça e não apenas de classe. O percurso metodológico discute como descolonizar o Direito, para rastrear a autoidentificação e suas consequências para os povos tradicionais brasileiros, no aspecto constitucional. Ainda que a Constituição parta de um olhar mais abrangente, novas pedras são colocadas para urdir imobilidades em situações como o decreto mencionado. Como funciona o estabelecer-se igual ou diferente a partir do olhar do outro? A ausência de efetivação do direito dos povos tradicionais à posse de seus territórios segue ordem que o Direito Civil e o Direito Agrário não estão projetados para oferecer. A transcendência das relações, o conceito de corpo-território, a ocupação histórica dos povos tradicionais com seus modos de ser e viver e suas migrações compreendem parte do que sedimenta a autoidentificação. Para além do caso do Decreto 4.887/2003, há outros exemplos de imposição deliberada de padrões coloniais de relacionamento com o território sob pena de perda, como a regularização fundiária das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, o caso das migrações indígenas e o movimento das cacicas. No caso do decreto, na ADI 3.239, o partido político Democratas arguiu a constitucionalidade do decreto de aquisição e titulação das terras dos remanescentes de quilombos (art. 68 do ADCT/1988), argumentando que sujeitaria a delimitação delas a indicativos “fornecidos pelos próprios interessados”. Nosso objetivo é discutir que o Direito Decolonial pode ser compreendido como resposta e potência própria, usando ferramentas interseccionais do Direito Decolonial Latino-amefricano para abarcar conceitos como corpo-território e autoidentificação e seu efeito em relação aos territórios que coexistem e corporificam.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO P06 - CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA, DIREITOS CULTURAIS E AMBIENTAIS