A IDEOLOGIA JURÍDICA JAPONESA DIANTE DO DESMONTE DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL
DIREITOS HUMANOS, NACIONALISMO E GÊNERO
Palavras-chave:
ideologia jurídica, nacionalismo, gênero, direito japonês, crítica dos direitos sociaisResumo
A pesquisa tem como objeto a ideologia jurídica no Japão no contexto da tendência de desmonte do sistema de proteção social, enquanto parte do enfraquecimento do quadro de direitos humanos sociais das últimas décadas. Para compreender seu funcionamento, foca-se em dois objetivos específicos: analisar como operam as relações de gênero na manutenção e na reestruturação dessa ideologia; e entender como a resistência à imigração e o modelo de nacionalismo “pacifista” e “uniétnico” se mantêm nesse cenário. A investigação se justifica na medida em que o Japão é um país do centro do capitalismo global que costuma ser apontado como contraditório dentro de uma divisão de mundo entre colonizadores e colonizados, ou brancos e racializados. Seu contexto oferece, assim, uma série de elementos particulares que demandam uma análise interseccional e que podem fornecer pistas para as transformações centrais e periféricas nas temáticas de gênero, imigração e nacionalidade diante do contexto de reestruturação produtiva na fase dita neoliberal do capitalismo. A metodologia da pesquisa é baseada no materialismo histórico-dialético, partindo do marco teórico da crítica marxista dos direitos humanos e, especificamente, da crítica dos direitos sociais, entendidos como um instrumento do capital para limitar o terreno da luta de classes. A ideologia jurídica, compreendida a partir de Louis Althusser e Bernard Edelman como interpelação material dos sujeitos revestidos de poder jurídico, estabiliza a forma jurídica ao naturalizá-la, interditando a via de superação do modo de produção capitalista. Assim, este trabalho analisa a história da forma familiar capitalista e da divisão social e sexual do trabalho na sociedade japonesa, em especial em sua relação com a reformulação do discurso nacionalista no pós-II Guerra Mundial, quando se consolidou o mito da nação uniétnica no país. Esse processo dialético da história é estudado a partir de categorias analíticas do marxismo e da interseccionalidade, em especial através da crítica da forma dos direitos sociais de Flávio Roberto Batista e da crítica da família moderna de Ueno Chizuko. Ao devolver essa análise à realidade atual (do concreto ao abstrato, e de volta ao concreto), buscar-se-á decifrar a atuação da ideologia jurídica como uma complexa presença na teia das relações sociais japonesas em suas implicações sobre o gênero e a nacionalidade. A pesquisa tinha como hipótese inicial que a ideologia japonesa, através do slogan de uma “classe média de 100 milhões de pessoas”, conseguiria apresentar a sociedade japonesa como desprovida de classes, facilitando a aceitação do desmonte na medida em que subsiste alguma proteção social para a vida “típica” representada pelo japonês “médio”. No entanto, a partir da noção de ideologia como interpelação material, o mero “ocultamento” do desmonte se mostrou insuficiente como ferramenta discursiva. Assim, concluiu-se que é a solidariedade nacional, formulada em uma particular ideologia de mérito e patriarcal nos moldes do capitalismo japonês, que consegue manter as pessoas acreditando que devem continuar se sacrificando em nome da “sociedade”. Nesse sentido, a “situação fronteira” das mulheres chefes de família monoparental, conforme investigada por Yumi Garcia dos Santos, parece se colocar como um universo típico desse fenômeno.