TENSÕES ENTRE SOCIEDADE CIVIL E ESTADO
O CASO DO COMITÊ INTERSETORIAL DA POLÍTICA MUNICIPAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Palavras-chave:
CONSELHOS CONSULTIVOS, PARTICIPAÇÃO POPULAR, POLÍTICAS PÚBLICAS, POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUAResumo
O Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua) é um órgão instituído em 2013 a fim de possibilitar à sociedade civil a participação popular nas políticas públicas direcionadas à essa população na cidade de São Paulo, posteriormente implementadas pelas Secretarias Municipais. Por meio de pesquisa realizada entre os anos de 2021 e 2023, observou-se que o Comitê é atravessado por relações de poder cujos pontos de afetação podem ser constatados na interação entre os representantes da sociedade civil – dividida entre o segmento de organizações sociais e o segmento dos indivíduos com trajetória de rua – e os do Poder Público – os membros das Secretarias. As hipóteses iniciais acerca de tais relações advinham do acompanhamento do autor-pesquisador no Conselho nos anos de 2020 e 2021 junto a outros pesquisadores ligados à Universidade de São Paulo, por meio de extensão universitária. As relações de poder mencionadas se constroem em uma arena de governança local, no qual o Estado figura como regulador, exercendo, para tal, o monopólio sobre o direito. Essa arena é o campo na qual as práticas de disputa são fixadas sob função reprodutora de poder, motivo pelo qual estudar o Comitê sob a ótica da antropologia jurídica pode proporcionar aos estudos sociojurídicos possíveis compreensões acerca do modo pelo qual as políticas públicas para esse grupo em estado de vulnerabilidade – transpassado por inúmeros marcadores sociais – são determinadas pelas dinâmicas em tensão no órgão. Sendo assim, a pesquisa tinha, como objetivos: a) identificar quais são as relações de poder existentes no Comitê PopRua, nos termos de Deleuze (2005) e Foucault (2021); b) compreender de que modo as relações de poder existentes no Comitê PopRua impactam a deliberação e a gestão de políticas públicas voltadas à população em situação de rua da cidade de São Paulo. A pesquisa iniciou-se com revisão de literatura bibliográfica, a fim de constituir arcabouço teórico nas temáticas de antropologia jurídica e conselhos participativos no Brasil. Concomitantemente, o autor-pesquisador participou das reuniões ordinárias do órgão no segundo semestre de 2021. Em seguida, foi realizada a análise documental descritiva das atas de reuniões do Comitê daquele período, a fim de averiguar, através de método qualitativo, que conteúdo foi redigido em documento oficial e o que restou excluído. A seguir, foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas com conselheiros do Comitê PopRua, sendo um deles membro da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, e os outros três, membros da sociedade civil. Como resultados finais preliminares, importa pontuar que as tensões existentes entre o Estado e a sociedade ecoaram nas entrevistas realizadas. Todos os atores da sociedade civil – inclusive aqueles com trajetória de rua ao longo de suas vidas – destacaram o sentimento de frustração com o Comitê, especialmente pelo fato de ser um órgão consultivo, e não deliberativo, fato que dificulta a materialização de políticas públicas participativas e efetivas no campo dos direitos humanos, especialmente no que tange à habitação, assistência social e saúde.