A DESUMANIZAÇÃO E O EXERCÍCIO ILEGÍTIMO DO PODER ESTATAL
UM OLHAR PARA CRÔNICA MINEIRINHO DE CLARICE LISPECTOR
Resumo
O artigo proposto almeja discorrer sobre os direitos humanos e os limites do poder estatal, tendo como questão fundamental a proporcionalidade no uso de força e, assim, o impedimento de tal abuso. Descortinar as diversas maneiras de obstar este arbítrio estatal em face dos direitos humanos é um dos nossos objetivos. Abordaremos, para tanto, a teoria moderna da coação aplicando- a à resolução do problema referido. Tal teoria propõe regular a quantidade de força, determinando as ações de coerção que podem ser exercidas pelo Estado e os seus órgãos, tendo por finalidade conter a atuação arbitrária deste poder. Iremos, ainda, expor a teoria moderna da coação, relacionando- a com a crônica Mineirinho de Clarice Lispector, objeto de nossa análise. A narrativa clariceana retrata a história de um criminoso, Mineirinho, que foi fuzilado com treze tiros por policiais, sendo que bastavam um, dois tiros para um “alívio de segurança”, pois os demais tiros indicariam vontade de matar. Utilizaremos o método indutivo ao apreciar as teorias clássica e moderna da coação para demonstrar a aplicação desta última na crônica examinada. Inferiremos que, não existindo respeito pela vida e pela integridade seja física, seja moral do homem como também pelas condições mínimas para uma vida digna, o poder estatal não se justifica, perde legitimidade, incorrendo em prejuízos para humanidade, atuando com arbitrariedade e injustiças. A desumanização se faria presente com a ausência dos valores que norteiam a vida digna, seríamos coisificados, tornando-nos objeto do arbítrio e de injustiças por parte do poder estatal. No presente contexto, pretendemos apresentar o princípio da dignidade humana, que encontra em Kant o seu paradigma, ao enunciar que somos seres racionais merecedores de respeito e que devemos tratar o outro como um fim em si mesmo e não como meio. E, ainda, contrapor o seu pensamento com o do utilitarista Bentham. Este filósofo assegura que o mais nobre propósito da moral consiste em maximizar a felicidade, proporcionando a supremacia do prazer sobre a dor e, consequentemente, possibilitando o desrespeito aos direitos individuais na promoção do bem-estar social. Desse modo, o poder estatal poderia violar os direitos humanos, ultrapassando seus limites. A lógica utilitarista oportuniza a transgressão de regras fundamentais de moralidade e de respeito à conduta humana. Defenderemos a importância de um ordenamento jurídico a serviço dos valores que orientam a vida digna e os direitos humanos que, ao serem reconhecidos e assegurados, deverão guiar nossas lutas em face do arbítrio estatal e em prol da renovação da liberdade, da igualdade e da dignidade humana tão almejada todos os cidadãos.