VIOLÊNCIA JURÍDICA OU NÃO JURÍDICA?
UM DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR COM FILME O HOMEM CORDIAL
Palavras-chave:
VIOLÊNCIA; DIREITO; CINEMA; LEGITIMIDADEResumo
O objeto da pesquisa estuda o tema da violência dentro da órbita do Estado de Direito, que admite o seu uso discricionário, mas não indiscriminado. A violência está presente na natureza humana e a potencial instabilidade da sua subordinação ao direito é sempre instável e problemática, já que esta poderia tanto manter a ordem, como subvertê-la. Neste sentido, parte-se da associação da violência razoável, como sendo jurídica e a violência não-razoável como sendo antijurídica, terminologia cunhada pelo jusfilósofo brasileiro Tercio Sampaio Ferraz Jr. A relevância da pesquisa torna-se evidente numa sociedade em que a violência assume o risco de ser a base única do poder, que dificultaria a possibilidade de identificação da violência razoável e da violência não razoável. Neste caso, como o único instrumento eficiente contra a violência seria a própria violência, ela correria o risco de ganhar autonomia em face do direito. Se partíssemos de uma visão pautada apenas pela dimensão lógica-estrutural, a percepção da violência razoável, ou do caráter jurídico da coação, seria identificada com a sua presença em uma norma considerada objetivamente válida e integrante de um sistema jurídico único. Para Tercio Sampaio Ferraz Jr., no entanto, a visualização do sentido jurídico da violência não estaria apenas vinculada ao seu regramento sintático e semântico no texto normativo, mas a uma assimilação pragmática mais complexa, que indica a possibilidade de pressupor a confirmação interativa da sociedade e a sua aceitação valorativa da autoridade imposta pela norma. Nossa metodologia de pesquisa vale-se do diálogo interdisciplinar de teorias jurídicas críticas com a análise de um filme brasileiro de qualidade artística que nos permita expandir as nossas questões reflexivas teóricas acima expostas. Esta metodologia interdisciplinar nos transporta, a partir do uso de elementos racionais e de sensibilidade, para a nossa hipótese de pesquisa. Esta hipótese evidencia as sérias dificuldades existentes, em nossa realidade, em promover esta integração dos elementos normativos, consensuais e valorativos, dando margem a identificação da forte presença do sentido não razoável, portanto, não jurídico da violência. O estudo preliminar aponta para a relevância desta temática em vários filmes nacionais de qualidade artística, onde se percebe a não integração do texto normativo, do consenso social e do elemento valorativo. Observa-se a presença da violência bruta e não jurídica nas bases das relações de poder no Brasil. O filme O Homem Cordial (Iberê Carvalho, 2019) foi escolhido pela extrema atualidade com que desenvolve o tema. A película, através de ricos conceitos-imagem, insere o papel das redes sociais e da visão política extremista dos discursos de ódio, no agravamento das tensões dentre a violência jurídica e não jurídica. As conclusões prévias da pesquisa indicam uma manifestação abusiva nas ações da autoridade estatal, na figura da polícia, institucionalizada, parcialmente, pela sociedade, geradoras de uma crise de legitimidade jurídico-política ampla.