“QUANTAS MARIAS (DA PENHA) PRECISARÃO EXISTIR PARA QUE SE POSSA COMPREENDER QUE NENHUM TIPO DE AGRESSÃO CONTRA A MULHER PODE SER TOLERADO?”

UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

Autores

  • Vanessa Ramos da Silva Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

Palavras-chave:

DECISÃO JUDICIAL, PERSPECTIVA DE GÊNERO, PROTOCOLO PARA JULGAMENTO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

Resumo

Em outubro de 2021 foi publicado o Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, elaborado pelo Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento tem como objetivo colaborar para a implementação das políticas nacionais já estabelecidas pelas Resoluções nº 254 e 255 do CNJ, referentes ao Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres pelo Judiciário e ao Incentivo à Participação Feminina no Judiciário, nas jurisdições estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral. Ainda, o Protocolo reconhece a influência da discriminação de gênero, raça e sexualidade em todas as áreas do direito. A publicação serve, portanto, como uma espécie de guia para orientar o julgamento de casos, que devem ocorrer a partir de uma perspectiva interseccional de gênero. Com propósito de investigar os desdobramentos da aplicação do Protocolo pelo Poder Judiciário, foi realizada uma revisão de literatura sobre teorias feministas do direito, bem como uma análise de conteúdo sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Após o mapeamento das decisões com menção ao Protocolo, foi extraído o conteúdo dos julgados em seu inteiro teor para análise. Em uma busca preliminar, a partir dos termos de busca “protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”, constatou-se apenas 20 decisões. Dentre os 20 julgados, somente 17 deles fizeram, efetivamente, menção ao documento. Das 17 decisões, 16 delas tiveram como relatora a mesma Desembargadora, integrante da Segunda Câmara Criminal. O outro acórdão, que também tinha como relatora uma Desembargadora, é oriundo da Sexta Câmara Cível. Quanto à área de origem dos casos, 15 estavam dentro do escopo do direito penal e dois na esfera cível. Na área criminal, os casos versavam majoritariamente sobre violência doméstica, sendo 14 acórdãos referentes a delitos praticados no âmbito da Lei Maria da Penha (LMP), um sobre estupro e um sobre aborto. Na área cível foi encontrado apenas um caso, sobre uma ação indenizatória por dano moral em razão de crime contra a dignidade sexual. Percebeu-se com isso que, embora o Protocolo seja um documento amplo, dedicando-se a todas as áreas do Direito, sua aplicação ainda é restrita sobretudo ao âmbito penal e a processos relacionados à aplicação da LMP. Há, portanto, uma identificação direta, por parte de julgadores, entre violência baseada no gênero e a utilização do Protocolo. A inexistência de julgados para além de processos envolvendo a LMP, estupro e aborto indicam algumas possibilidades que poderão ser testadas na presente pesquisa: (i) que o reconhecimento da discriminação de gênero para além dos crimes contra mulheres parece ser algo mais difícil de ser realizado; (ii) que a capacitação de profissionais das demais áreas ainda não foi devidamente realizada para a utilização do Protocolo ou, ainda, (iii) que a existência de normas jurídicas que propõe uma perspectiva de gênero amplamente difundidas (assim como a LMP) são elementos capazes de gerar um maior letramento de gênero por parte de profissionais do Direito.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On91 - ACESSO À JUST. E RESP. JURÍDICO-INST. NO ENF. VIOL. CONT. MULHER