“NENHUM GRITO OU PEDIDO DE SOCORRO”
REESCRITA DE UMA DECISÃO DE ESTUPRO DE UMA PERSPECTIVA FEMINISTA
Palavras-chave:
ESTUPRO, REESCRITA, PERSPECTIVA FEMINISTA, GÊNERO, DIREITOResumo
Há aproximadamente 20 anos, em 1998, iniciava-se a pesquisa que resultou no livro “Estupro: crime ou cortesia? Abordagem sociojurídica de gênero”, de autoria de Silvia Pimentel, Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer e Valéria Pandjarjian, publicado em 1998. A obra, um marco na literatura jurídica sobre gênero no Brasil, trouxe à tona uma série de elementos que relacionam nos processos judiciais, envolvendo violência sexual, estereótipos de gênero presentes nas falas dos envolvidos no processo, seja na fundamentação das decisões, no relato do crime ou nas referências aos acusados e às vítimas. O artigo proposto reescreve, a partir de uma perspectiva feminista e de gênero, decisão judicial absolutória de um caso de estupro ocorrido no Brasil. Parte-se de vários estudos feministas do Direito que buscam, utilizando-se de inúmeras evidências, desde a coleta de informações sobre o caso pela polícia, até a efetiva atuação do Poder Judiciário, demonstrar que o Direito em suas diversas formulações e interpretações costuma assumir uma postura androcêntrica e discriminatória de gênero. Através de metodologias feministas é possível evidenciar os estereótipos de gênero presentes e produzir decisões judiciais de uma perspectiva antidiscriminatória e inclusiva em relação ao gênero, raça/etnia, classe, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, idade, capacidade e outros marcadores sociais de opressão. Partindo do pressuposto da interseccionalidade desses marcadores sociais, a proposta é elucidar como a manutenção dos estereótipos coopera para a manutenção dos status de violência e discriminação no Brasil. A reescrita feminista da decisão judicial objeto deste artigo faz parte de Projeto de Pesquisa que se propõe a retomar e atualizar pesquisa realizada em 1998, desde uma perspectiva renovada, considerando as significativas mudanças legislativas e teóricas que ocorreram nas duas últimas décadas, no Brasil, para questionar o quanto elas foram, ou não, acompanhadas por mudanças jurisprudenciais significativas, mudanças de mentalidade e percepção dos operadores de direito. Trata-se de identificar avanços ou retrocessos, considerando as citadas transformações legislativas. As seguintes perguntas norteiam a pesquisa: em que medida os estereótipos de gênero observados na pesquisa publicada em 1998 ainda estão presentes nos processos judiciais de crime de estupro? As transformações legislativas exerceram algum efeito sobre a conduta dos atores nesses processos? O que permanece e o que mudou nesse contexto? O Projeto evidencia que um mesmo caso pode ter soluções diversas, que há espaço para interpretações concorrentes e que há interpretações melhores que outras se considerarmos a necessidade de romper com um Direito fortemente discriminatório em relação às mulheres. Evidencia-se aprisionamentos de gênero em relação às mulheres e aos homens de diferentes formas no que se refere ao exercício da sexualidade. O Direito não somente cria normas de gênero, mas as reforça, a partir das interpretações, das decisões e da produção de conhecimento jurídico.A partir desses resultados, a produção de outros escritos e investigações poderá seguir contribuindo para o desenvolvimento de uma perspectiva feminista na análise do Direito.