“ABERRAÇÃO LINGUÍSTICA!” “PROMOÇÃO DELIBERADA DO ERRO!” “AMEAÇA À LÍNGUA COMO PATRIMÔNIO NACIONAL!”

A REAÇÃO DA BANCADA EVANGÉLICA À LINGUAGEM NEUTRA NO BRASIL

Autores

  • Cristiano Lucas Ferreira Universidade de Brasília

Palavras-chave:

Linguagem Neutra, Ideologia de Gênero, Bancada Evangélica.

Resumo

Inúmeros projetos de lei foram protocolados no Brasil, com o objetivo de proibir o uso da linguagem neutra em documentos, comunicações oficiais e bancas de concurso público, além de meios de comunicação e ações culturais, desportivas, sociais, publicitárias e filantrópicas financiadas e/ou passíveis de permissão, concessão ou autorização pública estatal. Entretanto, o principal foco dessas proposições legislativas são os espaços escolares, uma vez que pretendem impedir a aplicação e disseminação da linguagem neutra nas salas de aula e em materiais didáticos. Até ser adotada por algumas escolas, a questão da linguagem neutra no Brasil, esteve circunscrita ao ambiente acadêmico, a algumas iniciativas governamentais, além de movimentos sociais. Partindo da ideia de que a gramática da língua portuguesa apresenta marcações binárias de gênero (o masculino e o feminino) e que o genérico masculino “o” é utilizado para incluir todas as pessoas, independente do gênero, as pessoas defensoras da linguagem neutra apresentam alternativas para o estabelecimento de formas inclusivas de comunicação. Por entenderem que a linguagem reflete questões sociais como sexismo, machismo e demais formas de apagamento de corpos e subjetividades, ela seria então marcada por relações de poder e por essa razão, utilizada para controlar e influenciar o comportamento das pessoas e para descrever identidades sociais, entre outras. Levando-se em consideração que as práticas discursivas constroem narrativas sobre quem somos e quem as outras pessoas são (Fairclough, 2016), o objetivo deste trabalho é analisar os projetos de lei propostos pela bancada evangélica do Congresso Nacional brasileiro. Esse estudo se justifica pelo fato de que a maior parte dessas proposições, em nível federal, foram protocoladas por parlamentares evangélicos que utilizam argumentos não apenas linguísticos ou nacionalistas, mais fundamentalmente morais, para se contraporem à utilização da linguagem neutra. Metodologicamente, a Análise do Discurso Crítica, realizada de forma tridimensional, nos permitiu identificar os sentidos e ideologias hegemônicas acionados pelos parlamentares evangélicos. Utilizando categorias propostas por Norman Fairclough (2001, 2003), evidenciamos como a ideia de linguagem neutra foi representada discursivamente. Para tanto, analisamos os elementos linguísticos-textuais e discursivos que explicitam como as ideologias são operadas para construir não apenas argumentos antagônicos à linguagem neutra como argumentos favoráveis à sua exclusão da escola e da sociedade. Acreditamos que as críticas à substituição de marcadores de gênero na linguagem, especificamente aquelas que beneficiariam as pessoas transexuais não-binárias, não são vistas pelos parlamentares evangélicos apenas como uma ameaça às normas da linguagem padrão, como expresso nas justificativas dos projetos de lei, mas também como uma ameaça às normas de gênero, entendidas como naturais e divinas. Por essa razão, tais parlamentares argumentam que o uso de pronomes neutros, por exemplo, é uma forma de imposição da agenda política de minorias sexuais que visam materializar a chamada “ideologia de gênero” na linguagem.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO P13 - PANORAMA SOBRE OS DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBTQIAPN+ NO SÉCULO XXI