POR UMA ABORDAGEM INTERSECCIONAL E LOCALIZADA DA LEI MARIA DA PENHA
Palavras-chave:
Gênero; Interseccionalidade; Violência contra mulheres; Lei Maria da PenhaResumo
No último dia 20 de abril de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.550, que alterou a Lei Maria da Penha (LMP), para determinar a concessão das medidas protetivas de urgência em cognição sumária, a partir do momento em que é feito o pedido pela mulher em situação de violência, sem a necessidade de qualquer instrumentalidade processual. Trata-se de mudança harmônica com a finalidade das medidas protetivas de urgência, que visam à proteção de direitos humanos fundamentais, evitando a continuidade da violência. Não objetivam atender processos ou ações judiciais, mas sim pessoas, e, no caso, mulheres. Contudo, quem são as mulheres a que se dirigem essas ferramentas? Muitos estudos feministas tendem a priorizar uma abordagem unidimensional de gênero, sem considerar a interseccionalidade com outras categorias sociais, o que também se reflete nas políticas de enfrentamento à violência doméstica. As recentes alterações na LMP, embora de indiscutível relevância social, são exemplo dessa universalização da mulher. Assim, o presente trabalho se propõe a discutir a necessidade de implementação de uma abordagem interseccional, racializada e regionalizada da violência contra mulheres no Brasil, notadamente através das ações viabilizadas pela Lei Maria da Penha. A pesquisa objetiva oferecer uma crítica à abrangência de trabalhos que ignoram as relações entre o gênero e outras estruturas de poder, evidenciando a pertinência de utilizar uma perspectiva plural e multidimensional para dar conta das dinâmicas que cercam o sistema, analisando a maneira como essas forças se sobrepõem em diferentes formas de opressão. A título de ilustração, segundo pesquisa divulgada em 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, denominada “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, o perfil étnico racial indica maior prevalência de violência entre mulheres negras (29,9%) do que entre brancas (26,3%), sendo que mulheres negras apresentaram níveis de vitimização muito mais elevados do que de mulheres brancas nos casos de violência física severa, como espancamento (negras com 6,3% e brancas com 3,6%) e ameaça com faca ou arma de fogo (negras com 6,2% e brancas com 3,8%). Será utilizado o método bibliográfico e documental, a partir da Lei Maria da Penha com todas as alterações realizadas desde a sua criação, além de dados colhidos por institutos de pesquisa acerca do perfil e características das mulheres em situação de violência no país. Ademais, serão empregados aportes teóricos essenciais como os de Sueli Carneiro; Lélia González; Rita Segato; María Lugones; e bell hooks, que têm permitido a discussão de uma genealogia negra e sulamericana, ampliando a compreensão de interseccionalidade a partir da sua orientação geopolítica. Argumento que as políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero têm de dar conta das especificidades dos contextos sociais em que se inserem, sendo empregadas de maneira histórica e contextualizada, atentando-se a categorias sociais, de opressões e privilégios, considerando a temática junto a outras forças simultâneas, como a geografia urbana, raça e classe, além de processos coloniais e neocoloniais.