“O ÔNUS MAIOR TEM QUE SER DA MÃE MESMO”

DA COMPULSORIEDADE DO TRABALHO DE CUIDADO À DESIGUALDADE DE GÊNERO E A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES EM PROCESSOS DE GUARDA

Autores

  • Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha UFMA

Palavras-chave:

Maternidade, Gênero, Desigualdade, Justiça, Direitos Humanos

Resumo

Nas sociedades ocidentais, a “transição” do feudalismo para o capitalismo redefiniu as relações entre as mulheres e os homens e a reprodução da força de trabalho. A partir de tal reconfiguração, surge uma cisão sexual de duas formas laborativas engendradas pelo capitalismo: o trabalho produtivo (atribuído aos homens) e o trabalho reprodutivo (atribuído às mulheres). Tal divisão é o pilar em que a maternidade compulsória se ergue na realidade social e que desvaloriza o trabalho de cuidado e alça as mulheres em uma posição de subalternidade. Essa perspectiva é alinhavada em todo o tecido social, espraiando-se para os fazeres e as práticas do Sistema de Justiça e dos agentes que o compõem. O empreendimento da pesquisa justifica-se por ser a análise da categoria “maternidade compulsória” um aspecto relevante para se compreender como o trabalho reprodutivo de cuidado é incorporado nas leis e nas práticas judiciais e como se perpetua no contexto processual, reforçando assimetrias de gênero. A sequela dessa dinâmica se reflete no Sistema de Justiça que passa a classificar sujeitas, (re)produzir estereótipos de gênero e reificar modelos de maternidade como legítimos e outros abjetos, tornando-se vetores de violências, de desigualdades e de violação de direitos humanos das mulheres, o que se configura como um problema ao Estado Democrático de Direito. O próprio Conselho Nacional de Justiça reconhece as assimetrias de gênero como um problema cristalizado no tecido social brasileiro que pode vir a ser reproduzido dentro do processo judicial e tornar-se vetor de violência institucional contra direitos humanos das mulheres. Para tanto, por meio da Portaria n. 27/2021, o CNJ orienta que os julgamentos de processos devem seguir os parâmetros do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, com o fito de garantir maior equidade entre homens e mulheres. Assim, o objeto de análise deste trabalho são os processos de regulamentação de guarda e convivência. Nesta perspectiva, o trabalho tem o objetivo de se concentrar em três sustentáculos: gênero como uma categoria sóciojurídica; contexto histórico e feminista acerca de papéis sociais designados para as mulheres no que atine às “funções” relativas à “economia do cuidado” e à “maternidade compulsória”; e, finalmente, os resultados obtidos abarcando conversas informais com juízes(as) e participação como ouvinte em audiências nas Varas de Família de uma comarca do Maranhão. Para a realização da pesquisa, adotou-se o método de pesquisa etnográfico com a abordagem qualitativa. O trabalho tem como substrato teórico os apontamentos de Federici e Butler. Em que pese a isonomia entre homens e mulheres (art. 5°, Constituição Federal de 1988) seja um dos pilares do Estado Democrático de Direito e que o Brasil seja signatário de tratados internacionais de direitos humanos (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto de San José da Costa Rica), os achados até então encontrados sentam-se na divisão sexual do trabalho corroborando para o viés idealizado e compulsório da maternidade e, portanto, afastado de uma efetiva proteção dos direitos humanos das mulheres.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On50 - GEOPOLÍTICA, DIREITOS HUMANO E SISTEMAS DE JUSTIÇA