O SENHOR ASSISTE NOVELA?

OBSERVAÇÕES DE UM CLUBE DE LEITURA NUM PRESÍDIO FEMININO

Autores

  • Priscila Santos Oliveira Universidade de São Paulo

Palavras-chave:

PRISÃO, MULHERES, LEITURA, LITERATURA, REINTEGRAÇÃO

Resumo

Para além teoria literária, é preciso pensar a respeito do modo como tal manifestação artística se coloca no mundo. Ou melhor, no espaço em que socialmente não queremos no mundo, o qual denominarei “não-mundo”. A prisão, conforme Bauman, é efeito da globalização; é o espaço destinado àqueles aos quais não se aplica a lógica do consumo. É o não-mundo, ou o não-existir na existência; é, de certo modo, uma perda não somente do direito à liberdade, mas - considerando as condições em que se realiza tal encarceramento e até mesmo o modo como são recebidos os saídos deste lugar – também de humanidade. Por isso mesmo, parece o lugar ideal para que a literatura - bem indispensável e inerente a qualquer ser humano (privado de liberdade ou não), assim como o sonho ou  a fabulação (CANDIDO, 2011). Para ilustrar a potência literária neste espeço de confinamento, este trabalho tem como objeto um conjunto de registros derivados de um diário de campo, elaborado pela pesquisadora, o qual contém anotações de observações realizadas num clube de leitura sediado em uma penitenciária feminina do estado de São Paulo, no período de agosto de 2022 a maio de 2023.  Metodologicamente, além da observação,  o trabalho usa pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. É relevante que se realize tal discussão tendo em vista o aumento da população prisional brasileira nas últimas décadas, especialmente a feminina: em 2000 havia aproximadamente 6 mil mulheres encarceradas; ao passo que em 2022 esse número chegou a 29 mil, em 2022 (INFOPEN, 2023). O aumento de tal contingente demanda um incremento no número de vagas no sistema prisional, e, sobretudo, a criação e o aperfeiçoamento de estratégias que conduzam à reintegração social dessas mulheres, de maneira que o encarceramento não seja um fim em si, estritamente punitivo, mas sim um impulsionador de mudança, um processo que conduz à reinserção destas mulheres em seus espaços de convivência. Assim, pensando na reinserção destas mulheres no mundo, surgem os clubes de leitura realizados em unidades prisionais. Deste modo, o presente trabalho hipotetiza que a literatura é um importante potencializador de transformação humana, capaz de conduzir reflexões individuais e coletivas. Pétit (2019) afirma que a leitura tem a potencialidade de entregar ao ser humano um escape do seu momento presente, tornando possível imaginar outros tempos e projetar outros lugares, dotados de quantas características seja possível imaginar. Das observações, e consequentes reflexões realizadas até então, nota-se que na prisão, muitas vezes esse deslizar no espaço-tempo é realizado por das telenovelas, as quais oferecem às reeducandas um vislumbre do mundo. Tanto é assim que o título do presente artigo é inspirado numa questão insistentemente feita ao mediador do clube de leitura do qual a autora participou, durante o qual uma participante tentava traçar um paralelo entre o comportamento de uma personagem de livro e a personagem de uma telenova brasileira. Conclui-se, até então, que  apesar da complexidade que envolve a privação de liberdade, a literatura é potencialmente transformadora.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On37 - DIREITOS HUMANOS, ARTE E LITERATURA