A PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL EM CASO DE CONFLITO ARMADO À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL

ESPECIAL CONSIDERAÇÃO DO CASO AL MAHDI

Autores

  • Inês de Melo e Silva Gomes Estudante de Doutoramento em Direito (Direito Internacional) na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Palavras-chave:

PATRIMÓNIO CULTURAL, CONFLITO ARMADO, DIREITO INTERNACIONAL PENAL, CASO AL MAHDI, TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Resumo

No amplo espectro de hediondos actos praticados, invariavelmente, em situações de conflito armado, deparamo-nos com a destruição de bens culturais. Esta é, com efeito, uma realidade milenar, havendo diversos registos de danificação e eliminação de elementos integrantes do património cultural em contextos de conflito, incluindo aqueles que, mais recentemente, vêm marcando a cena internacional. Reportando-nos ao Direito internacional, encontramos, desde a segunda metade do século XIX, diplomas contendo normas tendentes à preservação de bens culturais em tempos de conflito armado; realçamos, aqui, a Convenção para a Protecção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, de 1954 – instrumento normativo de suma relevância na matéria – e os respectivos Protocolos. Cuidando do plano do Direito internacional penal – merecedor, no presente estudo, da nossa particular atenção –, verificamos que certas condutas envolvendo bens culturais foram consideradas crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Não podemos deixar de sublinhar o importante papel assumido, neste âmbito, pela jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, aludindo, a título de exemplo, aos casos Strugar, Stakić e Krajišnik. Olhando ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional permanente, deparamo-nos com a previsão, enquanto crimes de guerra, dos ataques intencionais a «edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objectivos militares»; esta infracção surge na parte concernente aos conflitos armados internacionais – no Art. 8.º/2-b)-ix) – e naqueloutra respeitante aos conflitos armados não internacionais – no Art. 8.º/2-e)-iv). Este último preceito esteve em destaque no seio do caso Al Mahdi, cujos contornos inéditos pretendemos focar. Debruçámo-nos, assim, sobre a decisão atinente ao julgamento do caso Al Mahdi, o primeiro a ter por base, de forma exclusiva, o exame do crime de guerra contemplado no Art. 8.º/2-e-iv) do Estatuto de Roma. Nesta sede, Ahmad Al Faqi Al Mahdi, membro do grupo Ansar Dine – que, ao tempo dos factos, exercia controlo de território no norte do Mali, implementando, na região, um entendimento radical da sharia –, foi condenado, ao abrigo daquela disposição, verificada a sua participação na destruição de edifícios de carácter religioso e histórico operada em 2012 na cidade de Timbuktu – classificados, na sua grande maioria, pela UNESCO, como Património Mundial. Esta decisão teve fortes repercussões no campo doutrinal, tendo sido discutido, nomeadamente, o enquadramento da conduta de Al Mahdi efectuado pelo Tribunal e configurando-se, a este respeito, a possibilidade de os actos praticados constituírem o crime contra a humanidade de perseguição. Considerando a evolução ocorrida, no âmbito internacional – maxime, no campo penal –, relativamente à protecção do património cultural em contexto de conflito armado, concluímos que esta temática, com implicações notórias no domínio dos direitos humanos, vem merecendo um olhar cada vez mais apurado por parte do Direito internacional penal, sendo de distinguir os recentes sinais dados pelo Tribunal Penal Internacional no sentido da afirmação da responsabilidade criminal individual por condutas envolvendo o património cultural, material e imaterial.

Biografia do Autor

Inês de Melo e Silva Gomes, Estudante de Doutoramento em Direito (Direito Internacional) na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre em Direito - Ciências Jurídico-Políticas/Menção em Direito Internacional Público e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutoranda em Direito - Direito Internacional na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Bolseira de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P. (Referência da Bolsa de Doutoramento: SFRH/BD/143998/2019).

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On105 - DHs E PRESERV. DO PAT. HIST. EM CIRCUNSTÂNCIA DE CRISE POLÍTICA