SERÃO OS DIREITOS DA NATUREZA RADICAIS O SUFICIENTE PARA TRANSFORMAR O PARADIGMA JURÍDICO ANTROPOCÊNTRICO?
Palavras-chave:
Direitos da Natureza, Antropocentrismo, Utilitarismo, Individualismo, Emergência CliméticaResumo
Os direitos da Natureza têm sido apresentados como uma construção alternativa capaz de alavancar a transformação do paradigma jurídico ocidental, necessária para concretizar a Justiça Climática. Por colocarem as entidades não humanas em pé de igualdade com os seres humanos, reconhecendo-lhes personalidade jurídica, tais direitos têm sido invocados em sede de litigância climática como suporte de decisões pró-regulatórias. De facto, os direitos da Natureza têm potencial para auxiliar a superação do caráter antropocêntrico do Direito, na medida em que pressupõem a ampliação da titularidade de direitos, fazendo com que esta deixe de estar exclusivamente ao serviço de interesses humanos. Além disso, representam um novo posicionamento da Natureza dentro dos ordenamentos jurídicos, combatendo a sua objetivização e sujeição à propriedade humana. Acresce ainda que os direitos da Natureza, pela sua estrutura, podem constituir uma interessante ferramenta de desconstrução das bases individualista e utilitarista dos ordenamentos jurídicos ocidentais, dando expressão formal a mundivisões indígenas ancestrais. Não obstante o seu potencial reformador, impõe-se perguntar se serão os direitos da Natureza radicais o suficiente. A emergência climática que vivemos exige a completa reestruturação das sociedades humanas. O reformismo não é suficiente para travar uma crise cujas causas se encontram, exatamente, nos alicerces dogmáticos dos sistemas sociojurídicos. Assim, é crucial investigar até que ponto os direitos da Natureza são permeáveis a perpetuar esses dogmas. Desde logo, uma das expressões mais enraizadas do individualismo utilitarista é o foco excessivo nos direitos e liberdades, em detrimento da responsabilidade e da solidariedade. Noutro prisma, a prevalecente dicotomia entre direitos e deveres individuais impede o reconhecimento de outras formas de organização social, muitas vezes encontradas no seio de comunidades indígenas ou propostas por movimentos sociais disruptivos. Ademais, a consagração dos direitos da Natureza, ao igualar a posição jurídica dos entes não humanos com aqueloutra dos seres humanos, admite o seu balanceamento mútuo – um raciocínio comum na tradição jurídica liberal. Tal significa que, em concreto, sempre haverá possibilidade de direitos como a propriedade ou a iniciativa económica serem privilegiados no confronto com os direitos da Natureza (porque, à partida, nenhum goza de especial posição jurídica, todos se encontrando em pé de igualdade). Verifica-se, portanto, o risco de conduzir os direitos da Natureza ao mesmo fatídico destino do conceito de desenvolvimento sustentável, com a dimensão económica a sobrepor-se sucessivamente à dimensão ecológico-ambiental. Nada do exposto significa, necessariamente, a recusa dos direitos da Natureza. A proposta avançada é a de que se encarem todas as inovações jurídico-legais com a profunda inquietação que o tempo presente exige. Nunca deixando de explorar profundamente cada alternativa e de procurar forjar imaginários sempre mais ambiciosos. Os direitos da Natureza podem e devem ter um lugar na restruturação dos sistemas jurídicos, mas não devem ser tomados por adquiridos. Como todas as construções jurídicas, exigem contínua desconstrução e aperfeiçoamento.