O IMPACTO DA POLÍTICA TRIBUTÁRIA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Autores

  • Simone Castro Universidade de Coimbra

Palavras-chave:

DIREITOS HUMANOS;, FINANCEIRIZAÇÃO;, POLÍTICA TRIBUTÁRIA

Resumo

O objeto da pesquisa surge da evidência de um problema real: como conciliar os direitos humanos com a política de austeridade, que mantém a arrecadação no Brasil acima de 30% do PIB desde os anos 90, mas impõe a prestação de serviços enfraquecidos pelo Estado? Os estados  ocidentais, que nasceram forjados nas ideias liberais, trouxeram a exigência de uma estrutura, sustentada pelos tributos, capaz de garantir os direitos. Tanto a Revolução Gloriosa quanto a Francesa, que inspiraram as demais revoluções burguesas, impuseram limites à tributação ao mesmo tempo em que reconheceram o imposto como a principal fonte de arrecadação do Estado Fiscal. Se historicamente a exigência tributária esteve associada à expansão do capital, do ponto de vista ideológico, o Estado capitalista nasce fundado nos direitos liberais que, em princípio, eram os direitos civis, depois políticos dos homens. Na Europa, sob o que se convencionou chamar Estado de Bem Estar Social, os direitos se estenderam ao social, após a Segunda Guerra Mundial, quando as ideias de Keynes se impuseram aos interesses das altas finanças, também em razão da Revolução Russa. Não é mera coincidência a Declaração Universal dos Direitos Humanos ser promulgada em 1948. No mesmo período, o Brasil, sob Vargas, abraça o desenvolvimentismo e reconhece alguns direitos sociais à população urbana, quando a maior parte da população vivia no campo. Os direitos políticos só seriam reconhecidos na Constituição de 88, chamada cidadã por Ulysses Guimarães. A Constituição cidadã vinculou a política tributária à redução das desigualdades sociais. Embora a reforma tributária ocorrida durante a ditadura civil-militar, mediante a Emenda Constitucional nº 18/65 e a promulgação do Código Tributário Nacional em 1966, tenha constituído no Brasil um sistema tributário avançado, permitindo expressivo aumento da arrecadação em razão do PIB, foi só a partir da década de 90, sob o neoliberalismo, lado ideológico da financeirização, que a matriz tributária concentrou-se definitivamente sobre os tributos indiretos, desonerando o capital, funcionando, também, como instrumento de acumulação do capital. A relação conflituosa entre os direitos humanos e a tributação, que sempre existiu, embora mediada pelo princípio do não confisco, se intensificou e se remodelou, após 1994, quando instituído o Plano Real. O Plano Real acentuou a financeirização, reação à crise do capital, mas comumente apresentada como crise do Estado Fiscal.  As novas contradições entre a tributação e os direitos humanos surgiram porque a financeirização impôs o ajuste fiscal, exigindo contrarreformas do Estado para restringir direitos sociais. Quando a eficiência do mercado e demais ideias neoliberais passaram a orientar a exação tributária, o enfrentamento da desigualdade deixou de pautar a política tributária, a despeito da centralidade das discussões sobre a tributação como instrumento para reduzir as desigualdades sociais e da previsão constitucional. Assim, cotejando os gastos e investimentos sociais com a arrecadação tributária brasileira, a partir dos anos 90, pretende-se demonstrar que os direitos humanos, embora herdeiros das ideias liberais das revoluções burguesas, são conquistas históricas universais, decorrentes das lutas sociais, mas não são um projeto do capitalismo.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO P36 - TRIBUTAÇÃO E SUA COMPLEXA RELAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS